sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Ontem recebi a medalha Tiradentes na ALERJ

Ontem tive a honra e a alegria de receber a Medalha Tiradentes na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, compartilho com todos que não puderam estar lá o meu pronunciamento:

Queridos amigos e companheiros de luta, irmãos!
Queridos filhos, sobrinhos, netos e bisnetos.

Agradeço a todos pela presença neste dia de homenagem.

Obrigada, Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro que me concedeu a honra da Medalha Tiradentes.

Um obrigada especial ao Deputado Estadual Nelson Gonçalves, amigo de muitas viagens por Conservatória – a terra encantadora das serestas e serenatas. Receba os meus sinceros agradecimentos pela indicação da Medalha Tiradentes. Nunca esquecerei da sua generosidade.

Sou uma mulher de origem humilde, meu pai e minha mãe nunca poderiam imaginar, no dia do meu nascimento, que a sua filha subiria a esta tribuna para receber a Medalha mais importante do Estado do Rio de Janeiro.

Meus pais eram nordestinos do interior de Pernambuco, que somente conheceram ao longo de suas curtas vidas limitações e ofensas. Principalmente o meu pai, militante entusiasta do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que teve corajosa atuação no Levante Armado Antifascista de 1935, evento que entrou para a História como Intentona Comunista. Preso após o fracasso, ele foi torturado e sobreviveu somente porque conseguiu escapar da prisão durante a sua deportação para o Distrito Federal, onde seria julgado por crime contra a segurança nacional. Foi através de meu pai que tive a oportunidade de, na infância conviver com o escritor Jorge Amado. Para o autor do livro “O Cavaleiro da Esperança”, João Rodrigues Sobral, nome completo de meu pai, foi um exemplo de comunista de base, militante que como milhares de outros trabalhadores dava sustentação e consistência as lutas populares.

Para o meu pai imaginar sua filha Altamira subindo nesta tribuna seria impossível.

Sim, o meu nome é Altamira Rodrigues Sobral e não Maria do Carmo Ribeiro ou Maria Prestes como hoje todos me conhecem. O PCB nos anos 50 teve que falsificar minha Certidão de Nascimento e a carteira de identidade. Como responsável por residências clandestinas de líderes comunistas eu não poderia continuar com a identidade que tinha sido fichada pela polícia política. Isso aconteceu quando fugi de Pernambuco e fui trabalhar com política profissionalmente. Assim dei continuidade a tudo o que aprendi durante a militância na Juventude Comunista Brasileira. Fui para a ilegalidade abandonando as passeatas, comícios, grupos de apoios a grevistas e as atividades de arrecadação de fundos financeiros para o PCB. Nesta última atividade sempre tive um bom desempenho ao lado do meu pai, que zelava pela economia. Não gostava de excessos de gastos na organização partidária.

Em São Paulo, já como Maria, conheci pessoalmente Luiz Carlos Prestes – o Cavaleiro da Esperança. Eu já havia estado ao seu lado no Recife, em 1945, no comício na Praça 13 de Maio. Naquela ocasião era uma das meninas de 15 anos que vibrava com sua imagem de Herói.

Em São Paulo, por conta da minha militância na Juventude Comunista, fui escolhida para ser a caseira do aparelho em que o Secretario Geral do PCB permaneceria escondido. Aparelho é o modo como chamávamos as residências clandestinas do Partidão. Eu só soube da designação no próprio dia. Isso fazia parte da disciplina partidária. Cumprir as decisões superiores sem questionar.

Foram nove anos da mais profunda clandestinidade. Época quando Prestes não podia colocar o nariz na rua, quando ele foi perseguido pela polícia como um animal feroz. O Partido Comunista enfrentou naqueles anos desafios Históricos como a campanha “O Petróleo é Nosso”, a crítica ao culto da personalidade ao Stalin (por conta do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética) e o movimento pela legalidade do PCB, no governo Juscelino Kubistchek.

No livro “Meu Companheiro – 40 anos ao lado de Luiz Carlos Prestes” relato alguns detalhes do que foram aqueles momentos. Conto sobre o homem que ele foi e revelo como terminamos, após intensa convivência, nos tornando marido e mulher. Portanto penso que não é necessário me prolongar nesta parte. Gostaria de destacar somente que durante esses nove anos cumpri minha missão: o Secretário Geral do PCB nunca correu o mínimo risco de ser preso. Esta era a minha tarefa, esta tarefa eu cumpri.

Coms a nossa união vieram sete filhos: Antônio João, Rosa, Ermelinda, Luiz Carlos, Mariana, Zoia e Yuri. Já tínhamos os filhos de nossos primeiros casamentos. Ele a Anita, eu os meus dois meninos Pedro e Paulo. Dessa maneira, quando pela primeira vez anunciamos em público nossa união, muita gente ficou surpresa com o tamanho da nossa família. Hoje a turma está maior com a chegada de vinte e cinco netos e nove bisnetos.

Tenho filhos, netos e bisnetos morando nas cidades de Curitiba, Anchieta (Espírito Santo), Belo Horizonte, São Paulo, Santos, Goiânia, Brasília, Cavalcante, Crato, Ilhéus, Rio de Janeiro e Moscou.

Ao lado de Prestes vivi os tempos difíceis do Governo João Goulart, o Golpe Militar de 1964, o exílio entre os anos de 1970 e 1979 e o processo de abertura política após a anistia de 1979. Acompanhei meu marido em viagens por países como União Soviética (hoje Rússia), República Democrática Alemã, Bulgária, Romênia, Tchecoslováquia, Iugoslávia, França, Italia, Alemanha Federal, Portugal, Hungria, Nicarágua, México, Cuba, Moçambique e Angola. No Brasil andamos por todos os estados e nossas principais cidades. Ficaria extenso listar todas.

As milhares de fotografias, livros, títulos oficiais, presentes e textos de pronunciamentos que doamos para a Universidade de Campinas e para o Memorial Coluna Prestes Tocantins (construído em Palmas) e Memorial Coluna Prestes Rio Grande do Sul (construído em Santo Ângelo) são fragmentos de um grande trabalho realizado pelo Cavaleiro da Esperança numa época em que a comunidade internacional nada sabia sobre os crimes cometidos pela ditadura militar brasileira. Sou testemunha do seu sincero esforço para que o Brasil vivesse a democracia que vivemos, ainda que limitada e burguesa. O atual regime de respeito ao estado direito permitiu a eleição de Fernando Henrique Cardoso, de Luis Inácio Lula da Silva e da primeira mulher na Presidência da República, Dilma Rousseff. Penso que os presentes concordam que hoje estamos com presidentes melhores do que um Costa e Silva, um Médici, um Geisel ou um João Figueiredo. Para citar algumas das porcarias que já passaram pelo Palácio do Planalto.

Caminhamos muito, perdemos muitas batalhas mas,
acredito eu, não perdemos a guerra. Como disse o
maior amigo de Luiz Carlos Prestes, o camarada
Oscar Niemeyer: Um ideal não morre. Morrem os
homens com suas ambições. O sonho do socialismo
continua, continua o sonho de construir uma
sociedade justa e igualitária. A humanidade sabe
que dentro do capitalismo não será possível acabar
com a fome, a miséria e as injustiças sociais”.

Compartilho desta opinião. Devemos nos esforçar para entender como caminhar para a frente. Como fazer com que nosso povo faça valer a sua voz, a sua identidade e a sua verdade. Como meu pai e como meu querido marido, Luiz Carlos Prestes, não acredito em reforma do capitalismo. Os donos do capital fazem reformas para explorar mais o povo trabalhador. Para acumular mais dinheiro nos seus bancos. Para enriquecer seus castelos e fortalezas.

É verdade que em muitas ocasiões eu sou lembrada como a caseira de Prestes. Sim, fui sua caseira. Fui caseira assim como centenas de outros companheiros e companheiras foram. Camaradas que cuidaram da segurança de Carlos Mariguela, Gregório Bezerra, João Amazonas, Armênio Guedes, David Capistrano da Costa ou de José Montenegro de Lima. Mas, não fui somente caseira de Prestes. Fui sua mulher, companheira, conselheira, confidente. Sou mãe da maioria de seus filhos. Sou avó de todos os seus netos e bisnetos!

Andei pelo mundo ao seu lado não somente aplaudindo, mas dando sustentação para o seu caminhar, para que a força de sua voz vibrasse. Apertei as mãos de homens como Jánus Kádar (Presidente da Hungria), Nikolai Podgorny (Presidente da União Soviética), Nicolae Ceauicesco (Presidente da Romênia), Tódor Jivkov (presidente da Bulgária), Broz Tito (Presidente da Iugoslávia), Gustav Gusak (presidente da Tchekoslováquia), Enrico Berlinguer (Secretario Geral do Partido Comunista Italiano), Alvaro Cunnhal (Secretario geral do Partido Comunista Português), Erick Honecker (Presidente da Alemanha Democrática), Samora Machel (Presidente de Moçambique), Agostinho Neto (Presidente de Angola), Gueidar Aliev (Presidente do Azerbaijão), Fidel Castro, Raul Castro, Luis Corvalan (Secretário Geral do Partido Comunista do Chile), Rodney Arismendy (Secretário Geral do Partido Comunista do Uruguai), Daniel Ortega (Presidente da Nicaragua), Georges Marchais (Secretário Geral do Partido Comunista Francês), Leonel de Moura Brizola, Darcy Ribeiro, Barbosa Lima Sobrinho, Miguel Arraes, Gregório Bezerra, Miguel Costa, Cândido Portinari, Ferreira Goular e – claro – Oscar Niemeyer. Também conversei com Yuri Gagarin, o primeiro homem a tripular uma nave espacial e dar volta ao planeta Terra, e com Valentina Tereshkova, a primeira mulher cosmonauta do mundo.

Com certeza não sou uma doutora, não tenho sequer um título acadêmico, pois não tive a chance que meus filhos felizmente tiveram e puderam aproveitar. Mas a universidade da vida pela qual passei ao lado deste político honesto, coerente e idealista muito me ensinou. Principalmente a paciência e a determinação.

Por isso, gostaria de dizer, caro Deputado Nelson Gonçalves, que é com serenidade que recebo desta casa a Medalha Tiradentes. É com determinação de defender os ideais socialistas que recebo a Medalha que leva a figura de um dos maiores mártires de nosso país.

Esta Medalha Tiradentes pertence a mulheres corajosas como Olga Benário, Zélia Magalhães, Elisa Branco, Júlia Arcoverde, Antonieta Campos da Paz, Maria Werneck, Betriz Bandeira Ryff, Júlia Santiago, Raquel Guerte, Adalgisa Cavalcanti, Acelina Mochel, Sônia de Moraes Angel, Elvira Câmara, Mimi Batista, Maria Aragão, Angelina Gonçalves e Haydée Cantanhede Serra. Aqui não posso deixar de mencionar os nomes de duas irmãs de Prestes que muito me apoiaram: Clotilde e Lúcia.

A todos, mais uma vez, meu muito obrigado.

Maria Prestes ou Maria do Carmo Ribeiro Prestes ou Altamira Rodrigues Sobral

Rio de Janeiro, 11 de novembro de 2010.

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